Pronto para votação definitiva no Plenário da Assembleia Legislativa de Minas Gerais (ALMG), o Projeto de Lei (PL) 754/15, do deputado Antônio Carlos Arantes, do PL, que originalmente regulamenta a outorga coletiva do direito de uso da água, tem gerado controvérsia entre deputados, produtores rurais e ambientalistas. A proposição foi tema de debate nessa quarta-feira, 29, na Comissão de Participação Popular. A medida reflete diretamente no semiárido mineiro, cujo principal problema é a escassez hídrica.
A outorga coletiva é uma solução alternativa na resolução de conflitos de acesso à água, por meio da gestão participativa dos usuários de um sistema hídrico. Durante sua tramitação, o projeto também passou a instituir a Política Estadual de Agricultura Irrigada Sustentável, foco da maior parte das discussões. Os defensores da proposta destacam os benefícios do fomento à irrigação principalmente para os pequenos produtores, com o uso da tecnologia para o aumento da produtividade. Já os críticos temem os impactos ambientais da política, em benefício de grandes empreendimentos do agronegócio.
A audiência foi solicitada por parlamentares do Bloco Democracia e Luta. De forma geral, os deputados Doutor Jean Freire (PT), Leleco Pimentel (PT) e Ricardo Campos (PT) e as deputadas Leninha (PT) e Bella Gonçalves (Psol) não desmereceram o projeto como um todo, mas apontaram a necessidade de diálogo para afastar a possibilidade de a política de irrigação ir contra as práticas de sustentabilidade.
Doutor Jean Freire destacou não estar em debate a importância de estruturas de retenção de água. “A discussão é se o projeto está de acordo com as regras ambientais, se protege as nascentes, a natureza”, disse. Bella Gonçalves lembrou que a disponibilidade hídrica é hoje uma preocupação tanto na zona rural quanto urbana e que a prioridade de acesso deve ser de seres humanos e animais, em detrimento de interesses de grandes grupos econômicos.
De acordo com Leleco Pimentel, o projeto autoriza a supressão de mata para a irrigação da agricultura, assim como a supressão de vegetação para criação de espelhos d’água em áreas de parque urbano. Leninha advertiu que o uso desenfreado das águas disponíveis leva ao esgotamento do solo, com o rebaixamento do lençol freático, e Ricardo Campos se mostrou preocupado com a usurpação de competências dos comitês de bacia.
TRAGÉDIA DEIXA ALERTA – A professora Irene Cardoso, ex-presidente da Associação Brasileira de Agroecologia, salientou que o projeto de lei é de 2015 e que precisa ser aperfeiçoado, levando em conta as mudanças climáticas em curso e já sentidas na recente tragédia no Rio Grande do Sul. No seu entender, as questões centrais da proposição são econômicas, não ambientais. Ponderou que a água utilizada na irrigação vem de poços artesianos e rios, sugados sem nenhuma proposta de revitalização.
INSTRUMENTO DE TRANSFORMAÇÃO – Autor do PL 754/15, o deputado Antônio Carlos Arantes defendeu uma política de reservação de água para impedir a escassez hídrica em áreas mais secas, como o semiárido. “Minas é provavelmente o estado mais amarrado no desenvolvimento da irrigação como grande instrumento de transformação para o pequeno produtor”, afirmou, ao criticar a legislação mineira.
Ao contrário dos debatedores que citaram o caso do Rio Grande do Sul como um sinal contrário ao projeto, ele argumentou, assim como o deputado federal Diego Andrade, do PSD-MG, que estruturas de contenção de água, como barraginhas e barramentos, teriam amenizado o estrago.
Diego Andrade disse que a proposição viabiliza o aumento da área produtiva sem desmatamento, em prol especialmente dos produtores menores. Nesse contexto, a deputada Maria Clara Marra (PSDB) destacou que o agronegócio e o meio ambiente não estão em polos opostos. Segundo a deputada, relatório da Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura (FAO) aponta que, em 25 anos, a maior parte dos alimentos virão da agricultura irrigada.
Para o agricultor Marcos Nunes, representante da Federação dos Trabalhadores na Agricultura de Minas Gerais (Fetaemg), o projeto não pode prejudicar nem os pequenos produtores nem o meio ambiente. “Ele não pode prejudicar nascentes e mananciais, como temos visto na mineração”, disse.
Por sua vez, a representante da Federação da Agricultura do Estado (Faemg), Mariana Ramos, reforçou que a proposta tem potencial de transformar a vida da população nos territórios mais vulneráveis e afetados pela seca. “Ser contra é desejar manter o povo na pobreza e segregar os produtores entre pequenos, médios ou grandes”, pontuou.
MARCO REGULATÓRIO – Para Ricardo Demicheli, subsecretário de Estado de Agricultura Familiar e Desenvolvimento Rural Sustentável, o PL irá corrigir distorções e dotar o Estado de um marco regulatório da irrigação por meio de projetos sustentáveis. Ele relatou que podem ser destravados projetos importantes, como a fase atual do Projeto Jaíba que abrange 68 mil hectares, dos quais 45 mil estão prontos para irrigação, mas somente 28 mil estão sendo contemplados. A restrição estaria na necessidade de supressão de ipês amarelos, que de forma equivocada estariam sendo considerados nas normas de proteção do programa Pró-Pequi.