O longa metragem “Napoleão” dirigido pelo renomado cineasta Ridley Scott, promete ser um relato épico da ascensão do imperador francês, interpretado por Joaquin Phoenix, com foco no relacionamento volátil dele com a primeira esposa, Joséphine Marie.
Mesmo ainda faltando meses para vermos o resultado final, a conversa começou a girar em torno da cinebiografia, graças aos comentários feitos pelo diretor em entrevista à revista de cinema Empire.
Thierry Lentz, da Fundação Napoleão, disse no mesmo artigo: “Napoleão não destruiu nem a França nem a Europa. Seu legado foi posteriormente celebrado, abraçado e expandido”. Napoleão, um brilhante comandante militar, tomou o poder em 1799 durante um período de instabilidade política na França após a Revolução Francesa.
Seus admiradores dizem que ele fez da França um país mais meritocrático do que fora sob o ancien régime (antigo regime) pré-revolucionário. Ele centralizou o governo, reorganizou os bancos, reformulou a educação e instituiu o código napoleônico, que transformou o sistema jurídico e serviu de modelo para muitos outros países, inclusive o Brasil.
Mas ele também travou uma série de guerras sangrentas pela Europa, estabelecendo um império que, no auge, se estendia da Península Ibérica a Moscou. Em 1812, as únicas áreas da Europa livres de seu controle, por governo direto ou fantoche ou por aliança, eram a Grã-Bretanha, Portugal, Suécia e o Império Otomano.
Ele foi finalmente derrotado em 1815 por uma aliança de nações lideradas pela Grã-Bretanha na Batalha de Waterloo.
Philip Dwyer, professor de história na Universidade de Newcastle, na Austrália, e autor de uma biografia sobre Napoleão em três volumes, acredita que não.”Você pode ter um debate sobre se Napoleão era um tirano ou não – eu estaria inclinado para o tirano –, mas ele certamente não era Hitler ou Stalin, dois ditadores autoritários que reprimiram brutalmente seu próprio povo, resultando em milhões de mortes.”
“Alguns chegaram a argumentar que o Império era um ‘Estado policial’ porque havia um complexo sistema de informantes secretos que vigiavam a opinião pública”, continua ele. “Mas muito poucas pessoas – vários aristocratas mais ou menos envolvidos em conspirações para derrubar o regime, alguns jornalistas – foram executadas por Napoleão por sua oposição. Se eu fosse comparar Napoleão a alguém, voltaria na história a Luís 16, um monarca absoluto que travou guerras desnecessárias que custaram milhares de vidas”, acrescenta o pesquisador.
“Da mesma forma, Napoleão travou guerras – novamente, é discutível se foram necessárias ou não – custando a vida de milhões e pessoas, embora não saibamos quantos civis foram mortos direta ou indiretamente como resultado dessas guerras. “A jornalista francesa e colunista do Telegraph Anne-Elisabeth Moutet concorda que Napoleão não é comparável a Hitler ou Stalin.
“Ele não tinha campos de concentração”, diz ela à BBC Culture.
“Ele não escolheu minorias para massacre. Sim, havia uma polícia política intrusiva, mas as pessoas comuns podiam viver como quisessem e dizer o que quisessem. “Moutet afirma que os franceses veem Napoleão principalmente como um reformador. O Código Civil francês talvez tenha sido a sua grande obra. Ele tinha uma mente notável e foi o instigador de um conjunto de leis e instituições pelas quais ainda vivemos hoje. Gostamos de pensar – e não é de todo falso – que muitas pessoas eram mais felizes sendo governadas pelos franceses do que vivendo sob quaisquer leis feudais que tivessem”. O nosso Código Civil brasileiro é totalmente inspirado no Direito Napoleônico.
No entanto, Charles Esdaile, professor emérito de história da Universidade de Liverpool e autor de vários livros sobre Napoleão,
incluindo Napoleon’s Wars: An International History 1803-15 (As guerras de Napoleão: uma história internacional, 1803-1815, sem edição no Brasil), tem uma visão diferente.
“Eu vejo Napoleão como um senhor da guerra”, diz ele. “Um homem movido pela ambição pessoal e absolutamente implacável. Um homem que tinha uma visão muito clara do tipo de França que precisava construir e, de fato, do tipo de Europa que precisava construir, para sustentar sua máquina de guerra. Qualquer ideia de que ele era algum tipo de libertador, algum tipo de homem do futuro – essencialmente, tudo isso faz parte da lenda napoleônica.”
“A máquina de propaganda napoleônica foi uma ferramenta muito, muito poderosa no decorrer do Império e produziu uma versão
de suas guerras em que grande parte da culpa foi atribuída à ‘pérfida Albion’ [expressão negativa para referir-se ao Reino Unido, muito utilizada na França do século 19, durante período de tensão entre os impérios britânico e francês]”, acrescenta. “Não foi a França de forma alguma – era todo mundo fazendo guerra contra a França. Esta poderosa lenda napoleônica continua a operar até hoje. Napoleão é uma presença viva. Ele continua a operar do além-túmulo. Ele continua a moldar a maneira como o vemos.”
Napoleão tinha muitos defeitos e era um indivíduo repugnante, mas a ideologia racial que sustentava o regime nazista simplesmente não existia”, diz. “Napoleão não é culpado de genocídio”. Talvez um dos momentos de maior felicidade que eu vivi; foi quando em 2022, visitei o túmulo do grande reformador e visionário Napoleão nas margens do Rio Sena, onde tranquilamente seus restos mortais repousam, a seu pedido. Napoleão, meu ídolo!
(*) Gustavo Mameluque. Jornalista. Especialista em Administração Pública pela Fundação João Pinheiro/MG (1996) e Civilização Francesa pela Universidade de Sorbone- Paris X.(1987/88)