Acolhendo pedido da Defensoria Pública de Minas Gerais (DPMG), a 2ª Vara Empresarial e de Fazenda Pública da comarca de Montes Claros determinou ao Estado de Minas Gerais o pagamento de indenização à mãe de um detento com doença psiquiátrica que, em função da omissão do Estado, cometeu autoextermínio em estabelecimento prisional.
O CASO – O assistido V.G.L. deu entrada no Presídio Regional de Montes Claros no dia 2 de maio de 2022, após sua prisão em flagrante ter sido convertida em prisão preventiva. No dia 24 de maio do mesmo ano, o diretor do Presídio enviou ofício ao Juízo informando que o detento havia atentado contra a própria vida dias antes e que havia confirmado sua intenção de autoextermínio perante a autoridade policial. Informou, ainda, que a unidade prisional não detinha condições para preservação da segurança e integridade física do preso, solicitando providências.
O custodiado foi internado na ala psiquiátrica do Hospital Universitário de Montes Claros pela segunda vez, em menos de 15 dias. No dia 28 de maio, a Polícia Penal enviou novo ofício ao Juízo requerendo com urgência a transferência de V.G.L. para local adequado, uma vez que nem o Hospital Universitário e nem o Presídio Regional tinham condições de ofertar o tratamento necessário e indispensável.
Diante do grave e trágico quadro que se desenhava, já devidamente alertado pelas autoridades envolvidas, o juiz determinou, em 30 de maio de 2022, a transferência do custodiado para o Hospital Psiquiátrico e Judiciário Jorge Vaz. Em 15 de junho do mesmo ano a direção do Presídio comunicou que a determinação judicial de transferência ainda estava pendente de cumprimento, apesar da gravidade do caso. No dia 17/6/2022, ocorreu o óbito de V.G.L. no interior de sua cela. Ele cometeu autoextermínio exatamente como havia tentado da primeira vez, porém desta vez com êxito.
ATUAÇÃO VOLUNTÁRIA – Em atuação na execução penal na comarca de Montes Claros, o defensor público Wagner Leal de Queiroz tomou conhecimento do caso e, embora a ação penal não fosse de sua atribuição, a seu pedido foi autorizado a atuar voluntariamente, buscando a justa indenização para a família.
Em sua argumentação, o defensor público fundamentou a responsabilidade civil do Estado, demonstrando a existência do dano e do nexo casual.
Citou o art. 37 da Constituição da República, que atribui ao Estado a responsabilidade objetiva pelos danos que seus agentes causarem a terceiros, além da teoria do risco administrativo. Mencionando o art. 5º da Constituição e os artigos 14, 40 e 41 da Lei de Execução Penal (Lei 7.210/84), pontuou que “o Estado, ao privar a liberdade do cidadão em razão da prática de crime, obriga-se a velar por sua segurança, saúde e integridade física”.
“Não obstante a gravidade do caso e todos os indicativos da intenção suicida do custodiado, as autoridades administrativas envolvidas não apresentaram qualquer justificativa para a não efetivação tempestiva da ordem judicial de transferência para o Hospital Psiquiátrico, incorrendo assim em grave omissão”, afirmou o defensor público.
Argumentou que, nesses casos, o dano moral é presumido, ou seja, dispensa a necessidade de prova para justificar a indenização, bastando que se demonstre a existência do fato ensejador do dano. “Fica clara a configuração do dano moral sofrido pela autora decorrente da morte de seu filho no interior da Unidade Prisional, por falha na prestação do serviço público, razão pela qual deve receber a devida reparação”, observou Wagner Leal na petição.
Ao fazer o pedido de indenização de R$ 100 mil por dano moral, o defensor público considerou jurisprudência dos Tribunais Superiores de que o montante arbitrado atenda, ao mesmo tempo, seu caráter reparatório e pedagógico. O pedido já havia sido julgado procedente em 1ª instância, fixando a indenização em R$ 50 mil. O Estado recorreu, visando afastar a condenação ou, pelo menos, reduzir o valor dos danos morais. A Defensoria Pública então, recorreu, pleiteando novamente R$ 100 mil.
O Juízo da 2ª Vara Empresarial e de Fazenda Pública da comarca de Montes Claros julgou procedente o pedido da Defensoria Pública e determinou ao Estado de Minas Gerais o pagamento de R$ 50 mil à mãe de V.G.L. No entendimento do magistrado, “as circunstâncias apresentadas demonstram fundamento para entender-se que o réu possuía obrigação de evitar o fato lesivo, dado o dever específico de proteção previsto na Constituição Federal, a determinação judicial e a possibilidade clara de ocorrência do dano. Assim, fica caracterizada a responsabilidade civil do Estado, uma vez que, dadas essas circunstâncias, o Estado de Minas Gerais passou a ostentar o dever legal de agir para impedir o evento danoso”.
Ao pontuar o valor da indenização, o Juízo observou os princípios da razoabilidade e proporcionalidade, “tendo em vista o imensurável efeito lesivo provocado pelo fato na vida da autora”. Cabe recurso da decisão.