No fim de abril, o Rio Grande do Sul foi atingido por fortes chuvas em quase todo o Estado. Segundo o Instituto Nacional de Meteorologia (Inmet), em certas localidades choveu em um dia o que, na média histórica, choveria em dois meses. Juntou-se a isso desmatamento, urbanização não planejada, inércia do poder público, e o que vimos foi o caos: centenas de mortos, milhares de desabrigados, milhões de impactados.
Não se pode dizer, no entanto, que foram “surpreendidos” pela precipitação. Ainda que o volume tenha sido grande em todo o estado gaúcho, os avisos haviam sido dados. Não é de hoje que cientistas de todo o mundo estão avisando que eventos climáticos extremos serão cada vez mais frequentes. Fortes chuvas, longos períodos de seca, ondas de calor, tufões. Além disso, há uma infinidade de estudos e plataformas que alertam para os riscos de que desastres naturais podem causar mais danos do que o esperado.
Uma dessas plataformas, o Sistema de Informações e Análises sobre Impactos das Mudanças do Clima (AdaptaBrasil MCTI), desenvolvido por meio de uma cooperação entre o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE) e a Rede Nacional de Pesquisa e Ensino (RNP), possui um mapeamento extenso sobre o clima e os riscos de diversos impactos no Brasil, como disponibilidade de recursos hídricos, segurança alimentar, segurança energética, desastres geo-hidrológicos entre outros. É possível acessar dados sobre a situação presente de todas as cidades do país, bem como projeções para 2030 e 2050.
Na era da informação, é difícil se falar em “surpresa”. E se aconteceu no Rio Grande do Sul, é possível que aconteça em outros lugares do Brasil, como em Minas Gerais
CICLO HIDROGRÁFICO
É preciso entender como ocorre o ciclo hidrológico e por que temos tido eventos de chuvas concentradas em poucas horas. Quem explica o fenômeno é Euler Cruz, engenheiro mecânico e presidente do Fórum Permanente São Francisco. “De maneira bem resumida, os oceanos são a fonte mais importante de chuva. São da superfície da Terra. De lá, a água evapora, acumula-se na atmosfera e, em determinadas condições de temperatura e pressão, ela se condensa e cai como chuva, nos próprios oceanos como também nos continentes”.
Euler também conta por que eventos extremos têm acontecido com mais frequência. “Agora, o que tem acontecido ultimamente é devido ao que a gente chama de mudanças climáticas. Já há uns dois séculos de fumaça de carros, de fábricas e de outros gases de efeito estufa acumulados na atmosfera”, explica.
A partir daí, a “estufa” que se transformou a atmosfera por causa do acúmulo desses gases permite que o calor atinja a superfície da Terra, mas dificulta sua saída. “O carbono deixa a radiação do sol entrar. Ela entra, mas não sai. Isso causa o aquecimento dos mares, o que vai gerar mais vapor na atmosfera. Essa água vai ter de cair uma hora”, alerta.
Segundo ele, foi isso o que aconteceu nas terras gaúchas, potencializado pelo fato de que o estado mais ao sul do Brasil se tornou uma zona de convergência da umidade vinda das regiões mais quentes do país. “No Rio Grande do Sul se formou uma zona de convergência, a meio caminho entre o Equador e o Polo Sul, transformando-se numa barreira – a atmosfera fria do sul não consegue passar para o norte e o calor do norte não consegue passar para o sul naquele momento”, relata.
Ou seja: enquanto houver aquecimento global haverá maior evaporação dos oceanos. E enquanto houver maior evaporação dos oceanos, haverá chuvas concentradas.
Rio Grande do Sul e MG O que aconteceu no Rio Grande do Sul, mais cedo ou mais tarde, acontecerá em Minas Gerais. No entanto, Minas Gerais não é um estado como o Rio Grande do Sul. Além da diferença entre biomas – lá, terra dos Pampas, aqui, predominantemente Cerrado e Mata Atlântica –, o nome de ambos os Estados apontam também para suas peculiaridades. O panorama em terras mineiras é preocupante. Dados extraídos da AdaptaBrasil revelam que há 19 cidades com risco muito alto de enfrentarem inundações destruidoras como as do Rio Grande do Sul. A plataforma classifica os riscos entre muito baixo, baixo, médio, alto e muito alto. Já entre as de risco alto são 227.
Para a AdaptaBrasil, “riscos relacionados a desastres geo-hidrológicos são os efeitos sobre vidas, meios de subsistência, saúde, ecossistemas, economias, sociedades, culturas, serviços e infraestrutura, devido a alterações climáticas ou eventos climáticos que se dão dentro de períodos específicos de tempo, de vulnerabilidade e de exposição da sociedade ou sistema, relacionados aos desastres geo-hidrológicos.
Consideram-se como desastres ‘séria interrupção no funcionamento de uma comunidade ou sociedade que ocasiona grande quantidade de mortes, perdas e impactos materiais, econômicos e ambientais que excedem a capacidade da comunidade ou sociedade afetada para enfrentar a situação, mediante uso de seus próprios recursos. O desastre se caracteriza por ser imediato e localizado, mas frequentemente possui efeito indireto geográfico e temporal de maiores dimensões’”.
Enquanto os gaúchos precisam se preocupar com os grandes rios, os mineiros não podem se esquecer da mineração. São 260 barragens cadastradas na Fundação Estadual do Meio Ambiente (FEAM), nenhuma delas dimensionada para suportar o volume de chuvas que atingiu o Rio Grande do Sul. “Se uma chuva daquelas cair por aqui em Minas Gerais, ela vai provocar o rompimento provavelmente simultâneo de muitas barragens.
Porque se ela cair concentrada numa região aqui no Quadrilátero Ferrífero, há muitas barragens e pilhas de rejeito de minério, e as nossas barragens foram dimensionadas para aguentar até 350 milímetros de chuva num dia, a partir de um cálculo da Resolução 95/2022 da Agência Nacional de Mineração [ANM]”, aponta Julio Grillo, engenheiro civil e ex-superintendente do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama).