A área do clima semiárido do Brasil aumentou, conforme revisão territorial feita neste ano de 2024. A nova extensão mostra que a mesorregião do Norte de Minas, conforme classificação do IBGE, está inteira incluída na área do semiárido, que duplicou em cinco anos. Além disso, muitos municípios já passaram a integrar o clima árido, como é o caso de cidades como Gameleiras, Espinosa e Mamonas.
Os dados foram apresentados na última sexta-feira, em Montes Claros, no quinto encontro regional do Seminário Técnico Crise Climática em Minas Gerais: Desafios da Convivência com a Seca e a Chuva Extrema, realizado pela Assembleia Legislativa de Minas Gerais (ALMG) para buscar soluções capazes de minimizar os impactos das mudanças climáticas.
Em apresentação sobre o panorama climatológico da região após a abertura do encontro, realizado na Unimontes, o professor Mário Marcos do Espírito Santo, do Departamento de Biologia Geral da Unimontes, ainda acrescentou que nos últimos 40 anos o nível dos rios diminuiu 20% por década na região. Houve no período queda de 7% no volume de chuvas e aumento de 18% na seca hidrológica (1979-2016).
Os dados preocupantes sobre a diminuição de chuvas e aumento de temperatura por ele apresentados fazem parte de estudo feito por professores da USP e do Instituto Federal de Januária, a partir de dados do Instituto Nacional de Meteorologia (Inmet) sobre estações climáticas no Norte de Minas. Outro estudo citado por Mário Marcos do Espírito Santo, feito no Parque Nacional Cavernas do Peruaçu, em Januária, mostrou aumento sem precedentes na temperatura nos últimos 70 anos.
A pesquisa analisou a Caverna da Onça, preservada sem impactos da presença humana, na qual foi verificada estabilidade na temperatura até 1950. Mas de lá para cá, a temperatura na caverna sofreu aumento de 3 graus, confirmando que há uma tendência de alta, com reflexos maiores em se tratando de áreas já ocupadas pelo homem.
“Apesar das variações anuais, a partir de 1950 é incontestável que a temperatura vem aumentado, sendo preciso considerar também o efeito humano na questão. Não há mais tempo para o negacionismo climático, e no Norte de Minas isso fica muito claro”, frisou.
Mário Marcos do Espírito Santo ainda destacou que, no Brasil, assim como no Norte de Minas, o fator que mais tem contribuído para o aquecimento global não é a queima de combustíveis fósseis, e sim o desmatamento. Segundo o professor da Unimontes, o Norte de Minas perdeu mais de 40% de sua vegetação natural de cerrado e mata seca.
Ele considerou que extremos de estiagem e chuvas preocupam, sim, mas que no Norte de Minas prevalece a preocupação com os efeitos da seca, agravados pela perda de vegetação. ˜São vários os cenários estudados, sendo o melhor possível o razoavelmente suportável e, no pior, a seca tomando tudo; é catastrófico”, resumiu, sobre a situação.
O professor registrou preocupação com as epidemias que podem surgir da perda de cobertura vegetal, a exemplo do que já tem ocorrido com arboviroses como a dengue. Estudo da Unimontes, segundo ele, mostra a relação entre desmatamento e dengue, tendo sido o Norte de Minas muito afetado pela doença e a região do Estado que mais teria perdido vegetação entre 2009 e 2019, quando o balanço foi negativo.
Na parte da tarde, três professores do Instituto de Ciências Agrárias da UFMG participaram como comentaristas de plenária sobre diagnóstico regional dos impactos da crise climática. Áureo Eduardo Magalhães Ribeiro ressaltou que a organização local é o maior diferencial para o êxito de ações relacionadas ao meio ambiente, sendo o grande valor a ser considerado para a convivência com as mudanças climáticas.
Ele alertou que no semiárido a armazenagem de água é fundamental para essa convivência, mas expôs dados mostrando que os investimentos nas chamadas águas técnicas, soluções para obtenção de água, estariam na contramão.
Segundo ele, as cisternas respondem por somente 13% dos investimentos, mesmo sendo a alternativa que mais dá autonomia, segurança e sustentabilidade; ao passo que a alternativa do caminhão-pipa recebe 83% dos orçamentos dedicados à seca, mesmo sendo a forma menos sustentável e a que mais cria dependência, conforme frisou.
Flávia Maria Galizoni trouxe angústias sobre a questão e defendeu que os desastres não devem ser naturalizados. Ela alertou que o semiárido mineiro convive com grandes projetos de monocultura de eucalipto, pecuária, irrigação e mineração, que têm acentuado os cenários de mudança climática e deixado grandes ônus para o território.
Entre eles, citou a carência de água nas secas, mas ressaltou que, em relação ao Nordeste brasileiro, o semiárido mineiro tem como peculiaridade a existência de pequenas nascentes de águas, erupções de água de uso restrito, mas que estão morrendo. “Não se pode flexibilizar programas de conservação das águas. Água é um direito inalienável”, defendeu.
Por fim, Flávio Gonçalves ponderou que a alternativa da barragem para a questão hídrica deve ser vista como uma opção, e não como inimiga para a região, mas devendo passar por análise criteriosa, na busca da solução mais barata e que atenda o maior número de pessoas.