Burocracia no acesso e valores defasados no pagamento de procedimentos, insumos e profissionais, resultando em menor oferta de serviços, diagnósticos tardios, evasão e mortes. Esses foram os principais problemas relatados na tarde dessa terça-feira, em audiência pública que debateu os entraves à realização de mamografias pelo Sistema Único de Saúde (SUS) no Estado.
O debate foi realizado pela Comissão de Saúde da Assembleia Legislativa de Minas Gerais (ALMG), atendendo a requerimento dos deputados Arlen Santiago, do Avante e Doutor Wilson Batista, do PSD, respectivamente presidente e vice do colegiado. Em sua apresentação, Arlen Santiago comparou a incidência e a letalidade do câncer de mama no Estado com a realização das mamografias de rastreio e de diagnóstico, relação que indicaria um abismo que condena mulheres à morte quando sua única alternativa é recorrer ao SUS.
Nesse sentido, ele também sugere uma nova tabela para pagamento de procedimentos, com incentivos para laudos mais rápidos e novas medidas para garantir a mobilidade dos pacientes e flexibilidade nos pagamentos. “O câncer é o principal problema de saúde pública no mundo e encontra-se entre as quatro principais causas de morte prematura (antes dos 70 anos de idade), na maioria dos países, segundo o Instituto Nacional do Câncer (Inca)”, aponta o parlamentar, em sua apresentação. O câncer de mama é o segundo tumor mais comum entre as mulheres, com 29,7% de incidência de novos casos, atrás apenas do câncer de pele, e o primeiro em letalidade.
Como estratégias de prevenção, a mamografia de rastreamento é indicada para mulheres de 50 a 69 anos sem sinais e sintomas de câncer de mama, uma vez a cada dois anos, considerada a faixa de maior risco preconizada pelo SUS. Já a mamografia com finalidade diagnóstica é indicada principalmente para avaliar alterações mamárias suspeitas em qualquer idade.
No primeiro caso, como exemplo, a apresentação feita pelo deputado mostra que foram realizados mais exames em 2018 (330.808) do que em 2022 (274.966) em Minas Gerais. O mesmo aconteceu com o segundo tipo entre 2018 (63.449) e 2022 (62.004). Nesse caso, segundo Arlen Santiago, o valor total repassado pelo SUS seria de apenas R$ 22,50, insuficiente sequer para cobrir os custos do material utilizado, em torno de R $ 25.
Essa diferença também seria grande no caso das biópsias de mama: o SUS paga R$ 283,46 nos casos mais complexos para um custo mínimo estimado de R$ 1.049,69. E quando o câncer de mama é finalmente diagnosticado, a evasão do tratamento, ou seja, a falta de informações sobre o destino da paciente, cresceu, segundo a mesma apresentação, de 5,2%, em 2013, para 28%, em 2022, isso sem considerar a subnotificação.
“O SUS é o melhor programa de saúde do mundo, mas, com relação às mamografias, quem toma as decisões parece preferir que as mulheres não tenham um diagnóstico precoce para depois gastar mais dinheiro com a quimioterapia, quando uma simples mamografia e depois a biópsia conferem um índice de cura de 95%”, afirmou Arlen Santiago.
A audiência pública contou com a presença dos secretários municipais de Saúde de Montes Claros (Norte), Divinópolis (Centro-Oeste) e Governador Valadares (Rio Doce), além de representantes do Conselho de Secretarias Municipais de Saúde de Minas Gerais (Cosems/MG), Ministério Público e o próprio secretário de Estado de Saúde (SES), Fábio Baccheretti.
De um lado, embora reconheçam avanços, os secretários reforçaram a necessidade de mais agilidade e justiça no repasse de recursos do SUS. Do outro, o titular da SES garantiu que, embora o financiamento do setor seja no modelo tripartite (União, Estados e municípios), nos próximos três meses deve ser implementada nova estratégia de articulação do Executivo diretamente com as prefeituras, inclusive com a implementação de aplicativo específico voltado para a saúde da mulher.
A partir do diagnóstico mais ágil, presencialmente ou por meio de teleconsulta, será indicado o caminho a seguir, segundo o secretário, como a realização de ultrassom e/ou biópsia já com agendamento automático também em prazos mais curtos. Fábio Baccheretti lembrou que na sua gestão todos os equipamentos analógicos foram substituídos por digitais, garantindo melhor qualidade nos exames.
“O primeiro ponto é tirar a burocracia. A mulher não vai mais ficar jogada na rede e será cuidada do início ao fim do tratamento. Para garantir que 100% das mulheres no Estado tenham acesso rápido aos exames, vamos assegurar que todos os que forem feitos sejam pagos e a preços de mercado. Mas vamos exigir que o resultado venha também num prazo curto”, afirmou o secretário.
O coordenador do Centro de Apoio Operacional às Promotorias de Justiça de Defesa da Saúde (CAO-Saúde), promotor Luciano Moreira de Oliveira, cobrou que o Estado esteja mais perto dos municípios, sobretudo os menores, orientando gestores para que possam competir em condição de igualdade pelos recursos.
Já o diretor de Defesa do Exercício Profissional para Assuntos de Remuneração da Associação Médica de Minas Gerais, o mastologista Clécio Ênio Murta de Lucena, lamentou que, mesmo após mais de três décadas de funcionamento do SUS, ainda tenhamos dificuldade de disponibilizar o rastreamento do câncer de mama e implementar ações efetivas de prevenção e tratamento.
“A questão é mais complexa que somente a mamografia. Eu tenho que detectar os sinais, oferecer um diagnóstico e, mais do que isso, tratar essas pacientes. O problema não é simplesmente normativo. Infelizmente, ainda somos incapazes de resolver um problema que há décadas nós estamos debatendo”, explicou.