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CAI, CAI, TANAJURA

Quando as chuvas de verão chegavam, havia nos céus algo mais que pássaros, insetos e raros aviões.

Quando as chuvas de verão chegavam, havia nos céus algo mais que pássaros, insetos e raros aviões. Era tempo de se ouvir o alarido da meninada correndo pelas ruas da minha pequena cidade. Muitos portavam garrafas com rolhas e corriam olhando para a nublada abóbada celeste, cantando em uníssono e ritmadamente famosa parlenda sertaneja:

Cai, cai, tanajura

Na panela de gordura!

Era tradição em Porteirinha correr atrás das tanajuras, em seu voo baixo e desengonçado, até se cansarem e caírem. Eram capturadas, colocadas vivas nas garrafas e arrolhadas, para não fugirem.

Depois da farta coleta, que enchia o vasilhame de vidro, era a vez de preparar a iguaria, uma a uma, com cuidado e de preferência com uma pinça, retirando dela as asas e as pernas, pois diziam fazer mal à saúde.

Por fim, eram fritas na manteiga e misturadas com farinha, resultando numa deliciosa e crocante farofa de seus glúteos avantajados.

Também conhecida por içá, a tanajura – do tupi-guarani “formiga que se come” – chegou a ser comparada ao caviar, pelo escritor Monteiro Lobato. Estudos recentes têm demonstrado que a quantidade de proteína encontrada na tanajura é quase o dobro da contida na carne de frango e mais que o dobro na bovina, além de rica em lipídeos, sais minerais e vitaminas.

Em algumas cidades do Nordeste do Brasil, há quem venda tanajuras, para serem degustadas nas festas juninas. O quilo é muito caro, podendo chegar a duzentos reais, equivalente a quatro quilos de filé mignon.

Tanajuras são as fêmeas das formigas saúvas, soube recentemente. Nesta fase alada, praticam o voo nupcial e se enchem de ovos no abdômen, qual uma abelha rainha.

Depois do acasalamento, perdem as asas no processo de metamorfose e cavam buraco profundo na terra molhada, onde botam centenas de ovos, constituindo novos formigueiros.

Fico a imaginar se esse costume de comê-las fritas veio antes ou depois da famosa advertência feita pelo naturalista francês, Auguste Saint Hilaire, há mais de 200 anos, que vaticinava estar o Brasil condenado à falência, se nada fosse feito para extinguir o temível inseto: – Ou o Brasil acaba com a saúva ou a saúva acaba com o Brasil…

O fato é que parece havermos controlado essa praga com os modernos formicidas, pois fazia tempo que não as via, em época de chuva. Recentemente, fui surpreendido com algumas na minha casa, em Montes Claros.

Há quatro anos, mais ou menos, em Cartagena das Índias, na Colômbia, onde palestrei em sua Universidade e ali autografei meus livros de crônicas, tive oportunidade de ver tanajuras, mas não as reconheci, de pronto, porque não davam os rasantes desengonçados, por excesso de peso que desestabiliza seu voo.

Estavam já sem vida e jaziam empacotadas em porções, num grande cesto, e eram oferecidas à venda torradas, como petisco muito apreciado naquela medieval cidade caribenha.

O que me chamou a atenção foi o nome da tanajura por lá, escrito num cartaz em letras garrafais: HORMIGA CULONA – traduzível por formiga de bunda grande…

CAI, CAI, TANAJURA...
CAI, CAI, TANAJURA...

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